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quarta-feira, 23 de março de 2011

O fumo e os fumicultores.....

Artigo publicado hoje em Zero Hora 


 Há poucas coisas no mundo contra as quais sempre me posicione tão contrariamente quanto o cigarro. Fumar é sinônimo de morte lenta disfarçada de prazer. Além de tudo que li e aprendi sobre os efeitos do cigarro trago ainda a minha própria experiência familiar para posicionar-se. É esta mesma experiência que me faz ser solidário a alguns fumantes: aqueles que gostariam de já ter deixado o vício para trás e não conseguem.

Mas ser contra o cigarro não é ser contra pessoas que ao longo de anos encontraram na cadeia produtiva do fumo uma forma digna de ganhar a vida. Sempre dentro da lei. Há cinco anos confiei que a convenção-quadro daria a estas mais de 100 mil famílias condições de encontrarem em outra cultura uma alternativa de manutenção do mesmo padrão de renda. O tempo passou e nada foi feito.


Em menos de duas semanas estarão concluídas as consultas públicas da  ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária – sobre duas resoluções quanto ao material publicitário de cigarros e do uso de ingredientes como flavorizantes no processo de fabricação. Se a ideia é defender a saúde, a medida atinge em cheio outro objetivo: a vida do produtor. Um estudo da Fundação Getúlio Vargas aponta como inevitável a redução do mercado formal e o aumento da informalidade.


Ninguém para de fumar por decreto. Sem encontrar nas marcas daqui o sabor a que está acostumado, o fumante vai buscar em produtos vindo do exterior de forma ilegal. O mercado informal hoje é estimado em 27 por cento (23,2% na Região Sul). Na Grande Porto Alegre, 22% dos estabelecimentos que vendem cigarros, vendem produto ilegal. Confesso que o sumiço dos cigarros do mercado publicitário não me comove. Mas preocupa o aumento do contrabando, a consequente fuga tributária e o destino dos pequenos produtores, os mesmo que deveriam ter sido contemplados com ações posteriores à convenção-quadro.


Os três estados da Região Sul reúnem 185 mil pequenos produtores em 720 municípios. São 870 mil pessoas envolvidas, além dos empregos na indústria. De alguma forma a produção já vem diminuindo. Foram 668 mil toneladas na safra 2009/2010 contra 852 mil na de 2003/2004. A pesquisa da FGV conclui que as limitações propostas pela Anvisa afetarão apenas o mercado formal e representarão um estímulo à ilegalidade. As perdas na arrecadação são projetadas em R$ 5,2 bi ao ano e redução de 140 mil empregos. Além disto 500 fornecedores da indústria fechariam suas portas e U$ 300 milhões em exportações desapareceriam.


Ser contra o fumo não é ser contra os fumicultores e nem mesmo contra os fumantes. Confia num trabalho que comece na escola e proteja as futuras gerações da exposição ao cigarro. Aos que não conseguem escapar do vício, uma tomada de consciência de que algo precisa ser feito antes do primeiro enfarte. Muitos são forçados a uma mudança radical apenas depois de colocar a sua própria vida em risco. O certo é que o Estado não pode ser tão nocivo ao seu cidadão (e é o que são as 870 mil pessoas que produzem e vivem do tabaco) quanto a fumaça que exala dos cigarros produzidos dentro ou fora da lei.

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